Há autores na psicanálise que fazem
afirmações sobre tipos diferentes de pessoas que se portam também de formas distintas
diante da vida: os que habitam a zona branca e a vermelha. Sem atribuição
de juízo de valor, os da zona branca são aquelas que diante da vida
evitam complexificações, discussões existenciais, terminologia sobre o que é o
ente e o ser, nadificam as coisas porque tais coisas não são para serem
perscrutadas, mas vividas, simplesmente vividas. Os da zona vermelha, ao
contrário, possuem a imensa capacidade de questionar sempre o que existe por
detrás da aparência formal das coisas, da forma como se apresentam e
nunca aceitam as coisas tal como elas são, sempre mudam de lugar. Dentre esses
dois grupos de pessoas, para além de atribuir um caráter valorativo sobre quem
está certo, se esconde a dialética da existência quanto ao ato
potencial de investigar o não-revelado, os mistérios, assim como desfrutar da
dimensão da existência concreta, vivida, da passeidade, da condição
objetiva.
O equilibro talvez ideal seria se fôssemos um pouco de cada, assim desfrutaríamos das conquistas obtidas
e perscrutaríamos o que ainda está por vir. Dessa forma é que na roda
de samsara se apresentam as pessoas: como cada ente se encontra em uma posição
distinta dentro da roda, leia-se, dentro da vida, ao se encontrarem por vezes
há choques, tensões, isto porque nós nos reconhecemos no outro e rejeitamos
exatamente o que já fomos e o que não gostamos em nós mesmos.
Assim, que ao longo da humanidade o
caráter investigativo sobre a existência foi ganhando corpo. Do
nascimento do pensamento ascético, da passagem dos humanoides para a
humanidade, quer dizer, quando deixamos de ser meros seres biológicos à procura
da sobrevivência para o surgimento da abstração, da arte, da
representação da vida, expressa em pinturas rupestres pleitistas da condição humana, exatamente quando a vida se
transmutava para a ascese, o transcendental, pletora condição do sagrado.
O fogo, o trovão, deixam de ser objetos inanimados e ganham sentido em si
mesmos. A vida começa a deslindar-se da brutalidade para um tipo de
sensibilidade.
Depois vieram o nascimento do mito,
das religiões, da astrologia, da filosofia, do racionalismo em busca de
respostas. No caso da astrologia, por exemplo, foi um dos primeiros exercícios
de ilação entre homem e natureza. A partir da observação, os primevos detectaram a
imensa conjunção entre astros e tendências comportamentais em homens e
mulheres.
Essas questões tendem a me levar a
pensar sobre o significado das incompletudes humanas, dos diversos caminhos
adotados por pessoas à procura de respostas; quer seja na militância política;
no ativismo social; no pensamento religioso; no desenvolvimento do
racionalismo; na ciência, enfim, e no porquê de tantas respostas distintas
sobre o que vem a ser a(s) existência(s) e, é inelutável pensar que as respostas distintas se
dão por perguntas distintas, e as perguntas partem de lugares distintos porque
estamos em posições dísticas dentro da roda de samsara, ou seja, na
vida, quer sejam lugares, tempos, formações culturais, sociais, políticas e
religiosas.
Sem uma resposta clara, hoje acredito
que a vida é um eterno nascer e morrer em todos os seus sentidos: plenos,
abstratos, figurados, metafísicos. Porque somente nascendo e morrendo várias
vezes temos a percepção de que a cada vida enxergamo-la
sob ângulos diferentes e incorporamos novos valores, novas perguntas
se apresentam, novas respostas, novos questionamentos, num processo ad infinitum. Nascer e morrer fazem parte
da existência; quer seja nascer e morrer um amor, uma ideia, uma
amizade, uma paixão, uma tese, uma antítese, uma síntese, um poema, uma
música, uma melodia.
No entanto, nada morre para sempre,
afinal, a vida é antitética à nadificação, uma vez existente, para sempre
existe. Qual seria o sentido de existir para depois nunca mais existir?
Congraçar a vitória da morte sobre a vida? Viver é mais.
Os gregos antigos temiam muito mais
o ostracismo que a morte física. A verdadeira morte para eles era o esquecimento.
Foi por isso que Aquiles, mesmo sendo avisado pelo Oráculo de Delfos que iria morrer
na guerra de Troia, preferiu entrar para a história como herói que viver
na Grécia uma vida pacata e feliz. De onde vem essa relutância em
querer perpetuar a existência? Da certeza de que a existência é passageira
e efêmera? Não há compreensão de que nada inexiste para sempre.
O mistério da existência está em
esconder onde está a verdade. Se já soubéssemos, desistiríamos da busca, ou
seja, estaríamos mortos. Não saber é continuar a busca, é continuar a viver.
Henrique, insuperável reflexão. Abraços.
ResponderExcluirRubem (de 26/10, isto é, escorpiano, rsrsrs).
do primeiro decanato. kkkk
ResponderExcluirMuito bom Henrique, lê um autor chamado Viktor Frankl, ele desenvolve a Logoterapia, excelente. Acredito que vais amar...
ResponderExcluirAmigão, sensacional a sua publicação! Acredito que a morte, ou a ausência aparentemente eterna de alguém, assim como a existência pode mudar os destinos de muitas pessoas, até mesmo da história. Kafka expõe isso alegoricamente em A metamorfose quando nos faz perceber posturas nunca tomadas pelos familiares de Gregor pelo fato de não conceberem da mesma forma a existência do filho, (talvez pela falsa sensação de imortalidade que o orgulho no filho forjara) como se o mesmo habitasse somente em suas lembranças, assim como quando perdemos alguém. Em contrapartida, Heidegger fala de uma morte mais subjetiva, de um fator delimitador e pulsante da vida, que de fato, operasse para a individualização do sujeito (percepções, sensações legítimas). Em ambos, a morte é sinônimo de novidade, descoberta, reconstrução e isso pode ser tentador para alguém situado, porém desinformado da Zona Vermelha. Por sorte, sabemos que valorizar a vida é, com certeza o motivo pelo qual nos possibilitará perpetuidade através dos séculos.
ResponderExcluirHenrique,
ResponderExcluirnão parto de nenhuma ideia que já não tenha sido pensada por ti ou outro elemento antes de nós...se o existir implica na constante presença de rupturas, não seria a não existência consciente ou, em outras palavras, o não saber da finitude e dos retornos ou permanências, o segredo? [ não da vida, mas da morte...]..se o ser é, como postulava Heidegger, um ser para morte que está alojado no mundo e que sua existência não esta condicionada ao trancedental, onde se baseia a ideia de que o inexistir esta automaticamente associado a um outro existir? ... esse real que desconhecemos, e esta realidade onde estamos alojados...como relaciono estes elementos ( Kant descarta, Hegel potencializa e Heidegger nega, o que há de real no real?)...
[a - a]
... e viva a filosofia e o grandioso filósofo Henrique Borralho! Mais uma vez escrevestes para não deixar margens ao não refletir.
ResponderExcluirobrigado. esse post é antigo. havia publicado em 2011. me deu uma saudade dele.
Excluirabraços