quarta-feira, 11 de junho de 2014

Democracia burguesa e não liberal



Existem várias definições de democracia e não apenas uma, como muitos imaginam. Este modelo de representação política teria nascido na Grécia antiga, posteriormente envolta com a imagem de civilização clássica, inclusive por conta do sistema representativo preconizador do mundo ocidental. Acontece que na Grécia clássica a democracia não era irrestrita, ampla, universal. Por exemplo: pobres, mulheres, metecos, periecos (estrangeiros), escravos, não possuíam cidadania, portanto, não participavam das decisões citadinas.

A definição moderna de democracia burguesa se assenta no fato de que nesta acepção o capital controla o aparato burocrático do estado na defesa dos seus interesses, da livre concorrência, das lógicas do mercado, e, sobretudo, nas ideologias de setores dominantes, que por extensão, dominam per si o próprio estado.

O conjunto e aparato jurídico, normatizador da sociedade de direito dentro da democracia burguesa, está assentada em princípios burgueses, tais como a constituição (carta magna), código civil e penal, cujos valores expressam os anseios dos setores dominantes portadores de ideologia burguesa, dentre elas: a noção de redução do estado, do controle midiático expressando valores do consumo, da defesa irrestrita da propriedade privada, mesmo quando as condições de aquisição de certas propriedades se dão de forma escusa (falsificação de documentação), privatização de setores estratégicos: educação, saúde, transporte, proteção de setores produtivos do agrobusiness em detrimento da expulsão do homem do campo, dentre tantas injustiças e anomalias sociais.

A sociedade brasileira está configurada enquanto democrática burguesa, mas não liberal. Democrática burguesa porque o computo dos valores da sociedade de direito são todos burgueses, nem por isso os princípios mediadores, a regulação, o funcionamento, os instrumentos operacionais são liberais porque não existem certezas, garantias, transparência, quanto ao funcionamento dos princípios e respeito ao indivíduo e à coletividade. O patrimonialismo, as relações pessoais, a pessoalidade, o nepotismo, a corrupção, o clientelismo, interrompem o processo da livre concorrência, da certificação de que o estado minimamente possa assegurar as garantias e liberdades de ação, de empreendimento. O Brasil é o maior laboratório capitalista do mundo ocidental. O ocidente aplica nesse país as experiências malfadadas nos grandes centros, quando não expecta o resultado dos conflitos sociais.

Como uma das últimas fronteiras do estado neoliberal, o Brasil entrou definitivamente na zona da expansão capitalista internacional em 1992 apregoando a redução do estado, mesmo sem ter cumprido as funções básicas de bem-estar social, máxima preceituação da necessidade de existência do estado, e ainda tendo que enfrentar os ditames dos grandes organismos controladores da economia global, como FMI, Banco Mundial, dentre outros. Ou seja, o estado tinha, e ainda tem, uma dívida enorme com a sociedade brasileira pelo secular processo de exclusão e ainda assim se quisesse fazer parte de um seleto grupo de países desenvolvidos teria que ajustar as contas internas, propiciar o desenvolvimento do capital, reduzir o estado, desviar seu foco para os benefícios sociais e apontar seu horizonte para o mercado, além de procurar parcerias econômicas com os países mais ricos, não com os da América Latina, como ele, África, Ásia.

Mas o buraco é mais embaixo. A dívida histórica do estado brasileiro leva a situações de impasse e de desconforto. Agrada o agrobusiness, mas sabe que foi um dos poucos países latino-americanos que nunca fizeram a reforma agrária; atrai investimentos estrangeiros e tem que lidar com a falta de infraestrutura em setores estratégicos (energia, estradas, aeroportos, hidrovias, portos); busca o desenvolvimento tecnológico, embora possua 20% de analfabetismo, 10% de analfabetos funcionais e uma educação precária, paupérrima, ineficiente; almeja alcançar patamares de qualidade de vida e é confrontado com os piores IDH’s do mundo.

Para completar, vive atualmente um impasse: qual projeto de sociedade seguir? De um lado os movimentos sociais que pressionam pela ampliação da cobertura, assistência e investimento social, tais como: Movimento dos Sem Teto, Movimento dos Sem Terra, os Black Blocs; de outro, os capitalistas que reclamam do tamanho da cobertura e assistência social em programas como Bolsa Família, Prouni, Mais médicos e empurram o “estado” para o cumprimento das garantias liberais.

Qual projeto irá vencer? Depende das correlações de forças internas, da disputa pelo controle do aparato burocrático do estado. Mas uma coisa é sabida: não existe democracia em uma sociedade sem acesso universal à Justiça, à educação pública, ampla e de boa qualidade, onde há falta de regulação dos setores midiáticos que usam a concessão pública em busca de audiência e mais lucro. Como pode haver democracia numa sociedade que por não saber dos seus direitos não reclama? Como pode haver democracia com uma educação excludente que privilegia os bens nascidos e os transforma em agentes de perpetuação do status quo, exatamente por melhor usufruírem das riquezas do país? Como pode haver democracia com uma distribuição de renda injusta, opressora? E por último, como pode haver democracia se o cidadão, ao olhar para a política, não se sente representado e com uma sensação de que ele só serve para pagar impostos, votar no dia das eleições e com uma sensação de que o estado foi feito para benefícios de poucos?   

4 comentários:

  1. Ótima reflexão, agora só uma pergunda, todos esses enclaves que atrapam o proceso democrático em nosso páis também podem ser explicados pela imatura republica, comparada aos demais países?

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    1. com certeza. estou escrevendo um artigo sobre a copa do mundo que explica um pouco isso. a nossa republica, além de recente, é fruto de um processo de exclusão de camadas sociais, tanto quanto foi na emancipação politica colonial. o maior problema brasileiro é a falta de clareza sobre o que é a politica, como acessá-la e fazer parte da agenda politica nacional. O estado, como em qualquer país, é uma estancia voltada para os setores que o dominam, mas pode, se pressionado por setores sociais, ampliar o leque de atendimento através de politicas publicas. A diferença entre o Brasil e os outros país foi a eficiencia quanto ao controle dos aparatos burocráticos do estado. Poucas nações do mundo possuem uma elite tão conservadora, excludente e poderosa.

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    2. Henrique vc já escreveu sobre, praticamente, todos os assuntos, mas sobre a literatura maranhense ainda não tive a oportunidade de ler das reflexões sobre esse tema, gostaria viu. Abraços.

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    3. pois é, é pura verdade, talvez por receio de nunca ter publicado nada de literatura, a não ser nesse blog, o mÁXimo que eu fiz sobre uma critica literária do belo romance A intrusa, de Bruno Azevedo. Mas obrigado pela "provocação" (risos)... vou escrever alguma coisa.

      abraços

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