quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

retrovisor

Correa e Sá era um artista plástico em busca do sucesso. Logrou certo êxito na faculdade de Artes Plásticas, donde partiu para a carreira acadêmica. Não tardou e emendou o mestrado, logo depois, o doutorado. Era ao mesmo tempo professor e pintor. Como Professor poderia quietar-se na posição já alcançada, só perderia o lugar na carreira pública se algo de muito grave fizesse. O que o incomodava era sua posição enquanto artista plástico. Já decorria 3 anos de seu último quadro de relativa repercussão.  

Entre o intervalo de uma pintura e outra estudava história da Arte, notadamente a produção dos artistas do século XX e, sua grande especialidade: os do século XIX; a arte ainda embrionária no Brasil, mais precisamente os da província de Torrão - uma região de menor importância do ponto de vista econômico, mas que gaba-se da posição alcançada no século XIX dentro do quadro das Artes Plásticas no Brasil. 

Corrêa e Sá com seus estudos e pesquisas queria entender como uma região sem tradição nas artes em geral havia alcançado tamanha significação, ainda que seus estudos apontassem que havia algo de brado discursivo, do tipo alvissareiro, colocando tal província num lugar além do que de fato fora no século XIX. Ainda assim, isso se constituía como elemento emblemático na sua condição de intelectual e artista, afinal, enquanto artista, se valia da posição, da fama alcançada pela região para notabilizar-se como herdeiro de tal tradição, um certo capital simbólico perpassado de geração a geração. Enquanto intelectual, preferia usar um discurso critico quanto ao mito das origens da região como celeiro de grandes artistas, afinal, isso garantia seu lugar dentro do jogo também discursivo da academia. 

Angustiantemente Correa e Sá buscava a fama. Era demais para ele estar num lugar de pouca expressão artística, sem grande ressonância cultural no plano nacional. Quanto mais ele estudava o passado de Torrão, mais compreendia o peso de uma fantasmagoria de um lugar que, sem perspectivas futuras, exaltava cada vez mais o passado. Os quadros que ele analisava dos artistas do século XIX começavam a aparentar pórticos pesados cuja luz ao fundo projetava sombras, tais como as do mito da caverna de Platão.

Havia uma confusão entre objeto de pesquisa e sua condição enquanto artista. Por que se interessava por um período cujos artistas estavam tão distantes do que ele fazia? Por que procurar entender tal fantasmagoria de um passado supostamente brioso de sua região? O que os seus quadros representavam? Do que falavam? Qual a necessidade em se fazer notar, bradar um suposto grito de emancipação artística se as condições lancinantes do dia-a-dia sinalizavam que, enquanto vivesse em Torrão, dificilmente alcançaria a posição almejada? Aliás, tinha talento para conseguir tal condição?

Essas questões passavam a pesar cada vez na cabeça de Correa e Sá. 

Um dia, depois de descobrir que a fama não viria, deu conta que durante todo esse tempo, sua pesquisa sobre o passado de Torrão e sua condição artística era uma estratagema sub-reptícia para ele se prescrutar, entender a si mesmo. A fantasmagoria de Torrão no presente em só olhar para o passado passara a ser dele também. Havia se tornado tão queixoso quanto aqueles que analisava e estudava, criticando-os ferozmente. 

Foi então que decidiu abandonar a cissiparidade entre professor e artista, entender como se complementavam, bem como deixar de lado a ideia da fama e apenas ser, pintar e dar boas aulas.  

Correa e Sá acordou do seu sono letárgico, pegou as tintas e a tela, foi para o seu ateliê e começou a pintar quadros novos.                 


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