sexta-feira, 12 de julho de 2013

Um ajuste global?

Eric Hobsbawn, falecido historiador radicado na Inglaterra, escrevera em A Era dos Extremos, ter sido o século XX breve; se iniciou em 1914 – início da I Grande Guerra –, e findou-se em 1989, queda do Muro de Berlim. Essa periodização fugiu da concepção do modelo quadripartite francês, divisor do mundo, como se a Europa fosse o mundo, em 4 etapas: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, e da classificação usual de séculos em 100 anos.

O que levou o historiador a conceituar o século XX de breve e configurá-lo como extremo? Porque foi. O início do grande conflito pôs fim à Belle Époque e o restante do século ainda assistiria a guerras, nazi-fascismo, autoritarismo, ditaduras, e um conjunto de elementos de causar espanto a uma época supostamente herdeira do século XIX, pletora esperançosa na ciência, evolução e progresso.

Acontece que o século XXI, ainda que em seus primeiros ensaios, também tem se transformado numa época extremista de toda ordem. Pululam fundamentalismos religiosos, operetas econômicas, escândalos de espionagem, não apenas industrial como transnacional, guerras, reorganização da composição político-econômica, ressurgem ideologias, debelam-se teorias em frações de segundo como se de fato, como bem disse o velho Marx: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, agora mais do que nunca.

Bradam os mais otimistas uma onda global contra o capitalismo. Apenas em parte parece ser factível. A onda de protestos que tomou conta do mundo se levanta contra modelos de dominação excludentes, mas não se levantam de forma homogênea ou mesmo hegemônica um brado a favor do socialismo ou comunismo. Não está claro ser essa a opção, ou se é, fica o questionamento: qual socialismo e comunismo?

A questão ainda gira em torno da suscetibilidade da existência ou não do dinheiro e do desejo em torno do consumo, como bem frisou Zizek. O que fazer entre a crise do capital como perspectiva desejante de felicidade e gozo suplantando frustrações cada vez mais combalidas e a ausência de certeza de um projeto sócio-político-econômico-jurídico incapaz de debelar a ânsia de consumo estimulada há pelo menos 500 anos pelo capitalismo em todas as suas fases? 

No esteio disso foi a política, débil na sua plena condição de controlar os avanços do mercado e conduzir homens e mulheres a um projeto racional de equidade. A política sucumbiu ao dinheiro. Transformou-nos em simulacros de nós mesmos, frisou Baudrillard. Segmentou a noção de real, recriou o real em outros patamares, e agora com a falência de um modelo existencial pautado no consumo, cada vez mais evidente, ressurgem velhas, antigas bandeiras e lemas indicando o esgotamento da sociedade imediatista, emergindo a deceção como horizonte, como disse Lipovetsky.

A emergência da China colocando em xeque a plena supremacia econômica estadunidense não remodelou as formas de acumulação de capital e do trabalho, muito pelo contrário, agudizaram-se. A China comprou parte das terras do Sudão e dos portos gregos explorando mão de obra africana e impondo restrições trabalhistas aos estivadores gregos, ou seja, repete a prática perversa de exploração. Compra vultosas montanhas de ferro do Brasil, estoca no mar para esperar uma oportunidade futura de comercializar o minério, explora mão de obra barata, muitas das vezes de forma escrava, não respeita a condição dos trabalhadores. Esse modelo não serve.

A Europa mergulhada em crise vê apenas a prosperidade alemã, maior potência econômica da região, repensa o modelo de livre comércio e de zona econômica e trabalhista, afinal, tal fórmula afundou as economias de Grécia, Itália, Espanha e Portugal.

Os Estados Unidos, também em crise, propõem uma zona e associação comercial com a Europa, temendo os desdobramentos do crescimento do BRIC, afunilando os laços diplomáticos com tal continente, pois a configuração geopolítica do mundo mudou: Irã não teme o grande império, Venezuela também não, Bolívia também, Brasil idem. Em resposta a essa nova correlação de forças recorre ao antigo expediente da espionagem, a tentativa de sequestrar o presidente boliviano Evo Morales, a antigas táticas de intimidação, como no caso do Irã.

Quando o ex-presidente Bill Clintou citou a expressão “nova ordem mundial”, referia-se a emersão da China e do quadro futuro da nova geopolítica. Não previu o ataque de 11 de setembro, o aumento do clima de terror dentro do próprio solo estadunidense, o clima de esquizofrenia que transformara o país com os aumentos de atentados cometidos por civis pátrios.

Pelo mundo se espalham focos de rebeliões, golpes, contragolpes, revoluções. A diferença em relação ao século XX é que desta vez não estão claros os rumos e as tendências destas ondas que ao mesmo tempo são localizadas e globalizadas, pois possuem raízes nas contradições dos países onde eclodem, sendo assim reflexões potencializadoras de movimentos em outros lugares no mundo.

Quando eclodiram as manifestações em junho no Brasil, países europeus foram às ruas compartilhar e se solidarizar com os manifestantes brasileiros. No Chile, milhares de chilenos também cruzaram os braços em apoio ao movimento brasileiro. É uma faceta nova essa forma de integração global contra qualquer forma de exploração.

O que está claro é uma indignação global, mas o modelo é o que se quer, não? Para Zizek, o mundo ainda precisa de uma aceleração da acumulação do capital para vivenciar sua superação. Parece-nos que estamos chegando bem perto disso. A desconfiança é global em relação aos modelos democráticos corroboradores da aliança capital e política. A discussão não gira em torno da superação dos modelos democráticos para alguma forma longe ou contrária disso, mas sim, de uma redefinição de prioridades e uma superação dessa forma.

As manifestações no Brasil em junho apontam bem isso. Em nenhum momento as grandes multidões falavam em superação do capitalismo brasileiro, mas de sua redefinição. Isto não quer dizer que não esteja em crise, e sim, que no horizonte próximo a reflexividade da segurança do que existe, ainda que ruim, é um sinal da ausência de um projeto claro e definido.

As teorias e previsões pessimistas perdem espaço a cada dia. A história não acabou, a dinâmica social recoloca desafios não só ao conhecimento, mas a práxis política. Antigas bandeiras não morreram, precisam ser reatualizadas e ressignificadas. A marcha global indica um descontentamento com a condução política em seus países e apontam a necessidade de um ajuste planetário, afinal, o limite imposto é da natureza. Essa forma de exploração predatória caminha para uma catástrofe global, caso os rumos não mudem.

A consciência ecológica, antes apenas uma bandeira de alguns partidos, agora toma a dimensão de uma luta pela preservação do planeta, e nesse aspecto, repensar a exploração da terra é redefinir as formas e usos de sua exploração, quer dizer, do sistema econômico que a depreda, o capitalismo.

A dimensão educacional, atravessada pelos avanços tecnológicos, foi durante algum tempo pinçada numa perspectiva apenas de mais exploração do capital, pois ampliou as possibilidades de consumo, de publicização mercadológica. Hoje, essa dimensão não preenche e não basta. A mundialização das informações aproximou povos também pelos laços de identificação de exploração e miséria, logo, tornaram suas bandeiras amplificadas. Questões indígenas em um país passaram a ser as bandeiras de lutas em outras regiões porque a dimensão de um problema ecológico, social, étnico, é cada vez mais interplanetário, já que as possibilidades de destruição são cada vez maiores.

Não duvidemos, o mundo está passando por mais um ajuste. E assim será enquanto existirmos.  


2 comentários:

  1. Me parece Henrique que também há um número significativo de anarquistas infiltrados neste movimentos pelo Brasil!

    Tô tentando compreender o pensamento do Heidegger, mais precisamente o poético para tentar superar minhas crises existenciais! Um abraço!

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