É assim. Um olhar lânguido em busca de um horizonte;
claros, instigantes, misteriosos, como quem ao repuxar os fios da barba
completa o cenário de uma visão. Mais lembra a posse clássica do pensador de
Rodin, mas, em vez de cotovelos no joelho, são mãos no rosto.
Discussão acalorada à flor da pele, militância no peito em
busca da igualdade, radicalidade por vezes acompanhada de uma pequena
impaciência, típica dos gênios que não se conformam com o pouco, com o raso,
com o mesmo. Há sim uma altivez, mas sempre em busca da ultrapassagem, da
transmutação, da aliteração, da razão.
É porta-voz de um mundo novo, pelo menos para aqueles que
nunca tiveram contato com essa forma de encarar a vida. Indiferente a ele,
jamais. É perturbador demais para passar despercebido. Alguns desdéns sempre o
acompanharam, diatribes, incompreensões, nunca se importou. Não se enxerga como
superior, e sim, que cada um ao seu tempo de descoberta. As entranhas de outros
pensadores se ligam às dele pela boca e pelos olhos de ver. Cada passada de
mãos na barba um novo enovelar das entranhas somadas.
Aos poucos, as palavras de Platão saem por sua boca, as de
Sócrates também. Começam como uma sinfonia ruim de ouvir, como um fel duro de
amargar. As sombras da caverna cedem espaço a uma luz tangente como as dos seus
olhos cor de ardósia; são visões obnubiladas turvando-se a clareza de seu
entendimento, como um bálsamo trazido por uma musa grega. Palas Athena
sorri.
Os que tem olhos para ver, enxergam, ouvidos para ouvir,
ouvem. A marcha de Sofia passara a ser acompanhada de Clio. Já não está mais
sozinho, aliás, tempo atrás Cupido flechara uma de suas séquitas aprendizes que
ao seu lado caminham, aprendendo e ensinando velhas e novas lições de
Gaia.
Aquele encontro não era fortuito, o sábio de olhos cor de
ardósia e a jovem agora musa e mulher era o desiderato da vontade de potência
explanado por Nietzsche, mas que só com o sentido do amor e tremor de Kierkegaard
faz eco. Eros, enfim, fez as pazes definitiva com Anteros; sua porção mulher,
sua parte outrora obliterada, amor sem tanatós, entrância e reentrância, morros
de planície, rio de mar.
É uma longa marcha sempre a procura dos sentidos da
existência. Da desconfiança dos fios de Descartes fez-se um novelo saltitante
de Eisenberg. Um outro mundo, duplas visões, paralelas que se entrecruzam, uma
vida por sobre a outra. Era a caverna tendo seu teto desabando e abrindo um
clarão quântico, energias sinestésicas e terapêuticas saindo de suas mãos,
quentes, impostas, transfiguradas. Oriente e Ocidente não mais antitéticos,
agora ilados, era a razão buscando seu grande sentido. O holismo grego
encarnado em toda a dimensão corporal, não apenas na mente, cabeça, onde
supostamente sairia todo o devir do logos, era a plenitude querendo ser plena.
A poesis de mãos com filosofia, a tradição no pensamento
diante de um mestre que ensinou gerações a enxergarem para além do horizonte. A
razão nele se reconhece, o devir incontinente todos os dias bate sua porta, o
afeto transborda por seus dedos anelados de mistérios que adentram por sua
cabeça e sai pelas entranhas, as mesmas enoveladas nas dos pensadores que o
antecederam e que continuam a existir, sobretudo os que são despertados por
ele. Essa é sua missão: inquietar, instigar, lutar...
Lutar pelos seus e pelos dos outros, pelas árvores que se
deitam pedindo socorro quando ele passa, são agonias em busca de proteção
contra a deterioração, desmatamento, matança, aberração dos homens obliterados de
si mesmos, alienados de sua condição ôntica e ontológica de serem felizes,
absortos, pusilânimes na tarefa de lutar pela superação de si, trôpegos,
cambaios, cambiantes de lugar em lugar, cidade em cidade, vestal em vestal.
Hoje a vida celebra mais um dia de teu nascimento e tem
agenda lotada de reflexão. É um dia comum: trabalhos, estudos, deslocamentos,
reuniões, nascimentos, mortes em várias partes do mundo, mas aqui, nesse
recanto escondido do mundo, cercado de árvores e rios, as voltas com poucos amigos
e parentes, vamos parar para celebrar teu dia, teu natalício dia, jornada que
Gaia reservou para comemorarmos alguém especial, cuja presença nos enche de
inquietação, angústia, sabedoria, amizade, esperança e amor.
Parabéns ao meu mestre, amigo, cunhado, Marcos Antonio
Macêdo Muniz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário