Bem amigos do Gigante Adormecido que Acordou, falamos ao
vivo direto do palco da partida entre os Engavetados de Brasília e Forças
Conservadoras. O estádio está completamente lotado, afora os 2 milhões de
pessoas que não entraram e gritam exigindo democratização e transparências nas
regras do jogo, além de ameaçarem invadir o estágio. Vamos direto ao gramado
falar com o repórter Zé Guela e obter novas informações dos bastidores da
partida. – Fala aí, Zé Guela.
– Boa noite,
Narigudo e caros telespectadores. O clima aqui embaixo é bastante tenso. Eu vou
tentar falar com a treinadora Silma da seleção dos Engavetados para falar da
expectativa dela e qual foi a estratégia que ela utilizou para vencer o
adversário...
– Peraí, Zé
Guela, peraí, invasão ao estádio por todos os portões, a polícia não consegue
conter os torcedores ensandecidos que gritam pelo fim da cartolagem, pelo passe
livre, quer dizer, ingresso livre para estudantes... Meu Deus!!! Quanta
confusão!! Cartaz dizendo “Cala a boca, Galfão”, uma referência a um narrador
da emissora adversária, pela transparência no futebol, pela redução dos
salários milionários dos jogadores, de privilégios. Ó Meu Deus!! Eles invadiram
o estádio, corre-corre, gritaria. Os dois times acabam de correr para os
vestiários com medo da reação dos torcedores. É uma multidão que agora toma
conta de todo o gramado do campo, Narigudo. Eu nunca vi nada igual.
– Mas Zé Guela, o que eles reivindicam?
– Olha, vou tentar falar com um dos torcedores!!!
– Torcedor não,
agora queremos ser jogadores da seleção também. Chega de ficar na arquibancada,
como meros receptores da informação. A gente quer a maior mobilidade urbana,
transporte público decente, tarifas mais baratas, uma polícia decente que saiba
tratar as pessoas como gente e não como bandido descendo a porrada. Que
Absurdo! Eles usam aquele spray de pimenta em todo o mundo
indiscriminadamente. Mete no c... da mãe para ver se é bom meu... E tem
mais, mano, fica esse bando de cartola engravatado aí, enchendo o bolso de
grana, sem entender os anseios dos torcedores, sem dialogar com a sociedade,
achando que são uns tecnocratas, uns tais. Acabaram com o futebol, com a
alegria das pessoas. Ninguém aguenta mais isso, tanta roubalheira, cachorrada,
desvio de recursos. Tem um imbecil que propôs que as comissões internas da
confederação ficariam impedidas de investigar os crimes dos cartolas, onde já
se viu isso. Eles fazem votação secreta, decidem tudo entre eles, não dá. E
quanto aos jogadores, vai um alerta: se liguem, manos, as coisas mudaram,
ninguém é mais trouxa não, já passou a época que vocês faziam migué que jogavam
bola, aproveitavam a convocação só para se darem bem, ficarem ricos, e
aproveitarem a janela de transferência para ir para fora, quer dizer,
transferir a grana que eles roubaram aqui para outros bancos. Tem até
ex-jogador dizendo que não se faz copa do mundo com hospitais e sim com
estádios, onde já se viu isso? Claro, tá milionário, não precisa de hospital
público.
– Zé Guela, eu tô vendo daqui muito tumulto, os PM’s estão
usando de muita violência contra os torcedores, batendo o cassetete indiscriminadamente.
Quando é que o jogo vai ser retomado?
– Narigudo, olha, a técnica da seleção, quer dizer a
professora, como gostam os jogadores de falar, está ainda nos vestiários e até
agora não se pronunciou.
– Mas ela está demorando demais!!!
– Olha, a informação que chegou aqui é que ela vai propor
uma consulta geral aos torcedores perguntando o que eles querem que mudem nas
regras do jogo. Mas sabe como é, né, tem muita gente contra esse negócio de
consulta popular, temem as consequências porque sabem como isso começa, mas não
sabe como termina. Vai que o negócio radicaliza? Além do mais, os torcedores já
não confiam tanto assim na treinadora, nem nos jogadores. Os próprios jogadores
da seleção também não querem a consulta popular, afinal, sabem que vão perder
seus privilégios. Esse negócio de plebiscito pode abrir a caixa preta
do estatuto do torcedor e mexer com tudo, não apenas na questão da
representação.
– E os torcedores lá fora, será que dá para ouvi-los?
Vamos tentar falar com o repórter Abelhudo.
– Abelhudo, Abelhudo... O que tá acontecendo aí?
– Olha Narigudo, o clima é tenso... Muito tenso, eles
dizem que não vão sair das ruas enquanto não foram ouvidos pelos cartolas e
mudarem as regras do jogo. O problema é que entre os torcedores também há
muitas divergências, controvérsias, eles não se entendem. Usam o face, twitter,
para postarem e colocarem suas opiniões. Uns querem a total radicalização,
falam em fim de futebol, que isso é coisa para coxinha alienado, outros querem
que a copa do mundo que será aqui ano que vem não se realize, que é muito
gasto, outros pedem a demissão da técnica da seleção, outros que ela apenas
mude a escalação do time, enfim, os pedidos são tão diversos, difusos que não
dá para agrupá-los.
– Quem eles querem que saia da seleção?
– Olha, eles pedem a substituição da reforma política
emergencial pelo plebiscito, um atacante atrevido, extrovertido que
pode driblar a defesa adversária. Outros acham que o
atacante plebiscito é muito enrolation,
cai-cai, é um cala-boca para a torcida, uma forma de conter os ânimos.
– Meu Deus! Aqui na cabine estou perto de outras tribunas
também ouvindo opiniões de comentaristas, especialistas que divergem também dos
torcedores. Muitos acham que a técnica tá certa em escalar o atacante plebiscito,
que ainda não é hora de radicalizar e acabar com o futebol, embora haja um
movimento global pipocando em vários lugares do mundo, resto da América Latina,
Turquia, e no Egito, vejam vocês, o técnico de lá foi deposto, quer dizer, demitido
e quem assumiu foi uma junta militar. Que Loucura!!! Que tempos são esses?
– Pois é, Narigudo, e a imprensa internacional não fala de
outra coisa, que aqui tá tudo revirado, que o país do futebol não é mais o
mesmo, que a copa do mundo tá ameaçada, que os torcedores vão impedir as
delegações e torcedores de entrarem nos estádios...
– Mas a seleção não ia bem? Inclusive não acaba de golear a
Espanha, melhor seleção do Mundo?
– Olha, para alguns torcedores isso foi uma manobra da FIFP
(Federação Internacional de Futebol de Pelada), já que para essa organização
aqui nada é sério mesmo, tudo é bagunçado, mais parece um jogo de várzea, para
poder acalmar os ânimos, já que a final entre os Engavetados de Brasília e a
Espanha foi cercada de muita polêmica, muito disse-me-disse, muita agitação e a
competição esteve ameaçada o tempo todo. Além disso, segundo alguns torcedores,
a FIFP não passa de uma empresa privada, visando lucros, aliada do grande capital
internacional, cujo foco, matéria de lucro é o futebol, portanto, escolheu o
Gigante Adormecido, agora acordado, única e exclusivamente para lucrar com
obras superfaturadas, destruir estádios prontos e arrecadar milhões de dólares.
– E o time da reação conservadora, Zé Abelhudo?
– Continua nos bastidores, quer dizer, vestiário, esperando
a escalação dos Engavetados. Eles já se articularam, já se coligaram com a
mídia nacional para chamar de vândalos e baderneiros os que invadiram o
estádio, já encaminharam algumas mudanças emergenciais nos contratos e
estatutos, mas ainda assim o Gigante que Acordou não aceita. Os torcedores
querem mudanças radicais. O problema é que estamos recebendo notícias de que os
caminhoneiros que transportam as peças para os estádios também pararam, e os
médicos que iam atender os torcedores também estão fazendo piquetes e passeatas
protestando contra a importação de outros médicos para atender os torcedores
mais distantes, exatamente aqueles que nunca assistiriam a uma partida ao vivo.
Olha, eu nunca vi isso... Meu Deus, que loucura!!
– Onde isso vai parar, Zé Abelhudo? Olha, Narigudo,
sinceramente não sei... Do jeito que o clima tá quente, acho que a partida não
será retomada, a não ser que torcedores e comissão técnica cheguem a um
consenso ou pelo menos se retome a partida e se interrompa na hora em que não
se concordar com uma tática, estratégia, ou mesmo substituição. Pelo andar da
carruagem, uma partida de futebol nunca mais será a mesma daqui para frente.
– E o juiz, quer dizer, o trio de arbitragem?
– Por enquanto o único pronunciamento foi que desse jeito a
partida está prejudicada.
– Não é estranho que os torcedores não tenham tocado na
arbitragem? Pois é, alguns até já falaram, mas o foco mesmo está nos dois times
escalados, como se a partida não dependesse do que os juízes deliberam.
– Recebo notícias agora, Zé Abelhudo, que um bando de
torcedores fez protestos em frente da sede da Rede Nojo de Televisão. As notícias
que nos chegam é que protestaram contra o monopólio de transmissão de partidas,
os acordos políticos com os Engavetados de Brasilia, a forma como ela edita as
imagens das partidas e influencia parte dos torcedores a se comportarem.
– Bem amigos do Gigante Adormecido que Acordou, pelo andar
da carruagem, parece que aquilo que era para ser uma mera partida de futebol
vai tomando conta de todo o país em todos os setores, como se de repente a política
do pão e circo não fosse suficiente para conter a imensa desigualdade social, a
opressão, a fome, e todas as nossas mazelas. Quando a nossa expressão cultural,
o futebol, é alvo de protestos, pois sempre foi utilizado como estratégia de
manobra, é sinal de que as coisas mudaram. Destruíram os antigos castelos,
estádios de futebol, e ergueram suntuosos palácios onde a população não pode
mais ver o espetáculo. Quando um esporte não é mais suficiente para satisfazer
os anseios da população, é sinal de que a emancipação do espírito está a
caminho.