No processo de constituição do
mundo ocidental, sobretudo a partir da idealização do mundo grego-romano,
elemento de distinção social em relação a outras sociedades que lhe eram
paralelas, a razão e seu elemento de comutação, o pensamento, paulatinamente
começaram a substituir o sentimento, a intuição como formas de aprendizagem e
compreensão da vida.
Desta feita, o intelecto comutou a
simbologia da predominância do saber em relação a qualquer outra
possibilidade de apreensão sobre o mundo, e o referente, a cabeça, o guia e
instrumento idealizador da busca do homem.
Durante o período moderno, à medida
que a autópsia-dissecação dos corpos se constituía como
instrumento de conhecimento do corpo humano, descobriu-se que as pessoas
não possuíam apenas coração, pulmão e estômago, bem como os demais
órgãos, ainda que não se soubesse de suas
funções.
Na escatologia cristã,
notadamente a católica, o coração passou a simbolizar o centro das emoções,
iconização e preconização catalizador do centro da vida. Com o passar do tempo,
os órgãos adquiriram funções dísticas enquanto
funcionalidade biológica, bem como atribuições metafísicas. No fundo, o que estava em xeque
era o processo de atomização do conhecimento transferido também para os órgãos
humanos.
Com o avançar do sistema
capitalista e a predominância econômica e técnica da Europa sobre as demais
regiões, construiu-se um aparato ideológico desta como superior
às demais, acarretando na visibilidade do pensamento, leia-se, da mente sobre
qualquer forma apriorística de saber, sobretudo, os
sentimentos.
A África, associada ideologicamente
ao atraso em decorrência da invenção do racismo pela cor, via escravidão, cada
vez mais estava atrelada a uma imagem de sentimentalismo que atrapalhava o
desenvolvimento do progresso, ou seja, o coração africano era símbolo de um
tipo de existência e sociabilidade incompatíveis com o
desenvolvimento intelectual dos europeus.
Da mesma forma a Ásia não escapou
do estereótipo de tirania, de governos teocráticos e atrasados e de
região atrasada. O desconhecimento das ciências asiáticas, bem como do grau de
desenvolvimento africano, abastardou a noção de holismo que estas duas regiões havia séculos
vinham desenvolvendo.
Conquanto, os asiáticos já haviam desenvolvido uma compreensão de
medicina holística, inclusive apregoando que o estômago era quem
catalizava e canalizava todas as formas de sentimento e não
o cérebro. Tratava-se de uma concepção ampliada de integração corpo-natureza
que o desenvolvimento racional europeu perdera ao longo do tempo.
O que a escatologia católica fez ao separar cabeça, do coração
e estômago, que o protestantismo agravou, foi segmentar a compreensão
entre Kronos e Kairos, ou seja, tempo e tempo, um tempo linear, objetivo e
sincrônico, e
um tempo do aqui e agora, da captação da energia do cosmos, dos quais os órgãos humanos são receptáculos.
Desta feita,
os órgãos humanos são ao mesmo tempo testemunhas da vida cósmica e divulgadores dos mistérios da vida através de teorias, teoremas,
dogmas, religiões, bem como a negação dos mistérios do próprio cosmos, quer
dizer, por sua condição limitante e limitadora, tudo o que os humanos falam
sobre a existência são esclarecedores e não-esclarecedores ao mesmo tempo, por isso Sócrates havia preconizado na Grécia
clássica a célebre frase: “só sei que nada sei”, bem como Descartes afirmou que
os órgãos humanos falhavam, não era possível crer-se
naquilo que víamos.
Estamos de fato muito longe de
compreendermos os mistérios da vida e a própria separação entre os órgãos ou a
construção e associação de órgãos às regiões (cabeça, Europa; coração; África, estômago, Ásia) são formas estereotipadas e excludentes de não
entender o outro, no caso, o modelo antitético do que cada região é.
Com o avanço do transumanismo e a paulatina substituição de órgãos humanos, o
debate torna-se cada vez mais moral e menos holístico, afinal,
órgãos geneticamente ou biomecanicamente alterados não mudam a percepção sobre
o que vem a ser a humanidade, afinal, tais transformações vêm
se dando ao longo da história. No entanto, do ponto de
vista holístico afeta sim, afinal, o homem
ultramoderno é cada vez menos integrado à natureza que nossos ancestrais, logo,
nossa percepção sensitiva tem sido radicalmente afetada.
Afinal, o que somos? Mente ou corpo? Mente e corpo são a mesma
coisa? O que de fato mais importa, a mente ou a existência material? Se a
existência material não tem tanta importância assim, por que ainda damos tanto valor a tal existência?
Ola grande Mestre Henrique.
ResponderExcluirMe atrevendo a meter o bedelho no seu belo texto. Sinto que alguns colegas, filhos de Clio sentem uma imensa agonia pelo fato de a História bem como parte da Ciência clássica se encontrar em uma aporía alguns dizem pra quem quiser ouvir "que não aguentam mais discutir história", Não acho que a saída para essa aporía seja a física quântica nem aguçarmos nossos sentidos no intuito de se chegar a uma verdade COMPLETA. Digo verdade a cerca do que somos. Essa busca ontológica de entendermos por completo a realidade humana é de fato a pior herança dos gregos "só sei que nada sei" e assim buscar desvendar entender a tudo mesmo o que não se é para entender.
PS: Seu texto não necessariamente tratava disso foi foram as angustias que me causaram ao Le – lo.
Gledson Silva Brito. Seu fã.
@Gledson_ma
Pensativa!
ResponderExcluirArtigo muito bom Henrique, poxa muito bacana, ainda não havia me tocado sobre essa divisão da forma de perceber os orgãos além de suas funções naturais... Poxa, muito legal, fiquei curiosa e pensativa a respeito da questão!
ResponderExcluirAcho muito interessante suas criticas e explanações a respeito dos relacionados a metafísica (que ouvimos tanto falar no meio acadêmico que vimemos, e que a meu ver são poucos os que verdadeiramente sabem abardo-la)!
Muito bom, parabéns!