quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Cinderela de Berlim

Ao ler o conto de Lenita Estrela de Sá, Cinderela de Berlim, publicado no livro de contos Cinderela de Berlim e outras histórias, fiquei encantado pela forma como a autora explora uma das questões que sempre me inquietaram, a saber: a difícil análise dos encontros culturais, quando se trata da relação entre turistas estrangeiros e brasileiras. 

A literatura por sua grande capacidade de descrição dos elementos subjetivos de cada personagem, do embate entre personas, se nutri dos elementos sociais cotidianos.

O conto, ambientado em São Luis, precisamente no centro histórico, toca na tangibilidade muito cara concernente ao encontros entre turistas e nativos, estes últimos, moradores de uma cidade pobre, e os primeiros, alguns, que para o Brasil também vêm em busca de sexo, pautado no exotismo dos trópicos, no apelo corporal das nativas, além da ideia mais que recorrente de submissão cultural existente nos brasileiros a partir de suas condições financeiras e no imaginário acerca do outro, no caso, estrangeiro, leia-se, "melhor", "superior".

A narração do conto é preciosa. Descreve os elementos sentimentais, angustiantes das personagens Rosário e Vânia que sofrem preconceito, violência de policiais por serem negras, pobres, marginalizadas. Não faltou também a descrição da difícil convivência em um ambiente hostil de quem mora no centro histórico de uma cidade patrimônio da humanidade, e que por vezes, de humanidade só resta o que de humano tem nos seus moradores, ou seja, os laços de sociabilidade, por parte do estado, muita pouca ação humanizante.  

O conto ultrapassa e muito a condição dominação/subjugação entre brasileiros e estrangeiros. Nem todo estrangeiro vem ao Brasil para simplesmente comer as brasileiras, assim também como nem todos vem para um exercício de alteridade, no entanto, há casos e casos. 

Toda relação implica uma via de dupla mão, portanto, ao se encantar, apaixonar, se interessar por um estrangeiro, existe além da questão da escolha por quem ficar, o encantamento pela grande sensibilidade que estrangeiros possuem e demonstram ao prescrutarem os elementos sentimentais, enxergando nas nossas mulheres, pobres, negras, "feias", uma docilidade, uma amabilidade que estes em alguns casos já não enxergam nas mulheres de seus países, afetadas pelo desenvolvimento do capital, além do fato de que, muitas das vezes, os homens brasileiros não veem, não se interessam por características específicas existentes nas nossas mulheres. 

Sem ingenuidade, não dá para descartar os elementos econômicos, ideológicos em relação aos encontros culturais entre dois mundos distantes, no entanto, para além dos condicionantes meramente sociológicos, existe um amar, o amor, e este não tem regra, lógica, racionalidade. Independentemente da nacionalidade, da cultura, gostar é gostar em qualquer lugar, afeto é afeto. Pronto.

Franz vem da Alemanha, retira Rosário e Vânia da cadeia, acusadas injustamente por tráfico de drogas. 

Leva Rosário, sua Cinderela, seu grande amor para morar em Berlim.

Parabéns Lenita, seu conto ultrapassa a visão estereotipada dos encontros afetivos entre brasileiros e estrangeiros, ele celebra o amor entre pessoas, independentemente da nacionalidade.                 

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