terça-feira, 26 de junho de 2012

ser latinoamericano

Os episódios que culminaram no impeachment do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, revelam uma face sangrenta da política na América Latina. Não é de hoje a relação tumultuada entre democracia e instabilidade política na região. Do México à Argentina, a América Latina sempre foi palco de lutas sangrentas, golpes, instabilidade regimental, ditaduras, e muita pobreza. 

Eduardo Galeano, escritor uruguaio, dono de uma vasta crônica sobre a relação entre literatura e politica, falecido recentemente, no seu célebre livro disparava: México, tão longe de Deus, tão perto dos E.U.A, (frase do presidente mexicano Lázaro Cárdenas - 1934-1940), referindo-se ao processo culminante da tomada dos territórios mexicanos do Texas, Novo México e Califórnia pela grande potência. Afora a perda territorial, foram-se também importantes minas de ouro. No século XX, o México adentrou numa revolução, a zapatista, depois, foi comandado por um Partido que ficou no poder entre 1929 até os anos 2000, O PRI (curiosamente, Partido Revolucionário Institucional) e hoje o país está mergulhado na guerra dos cartéis de drogas e de tráfego humano.

Cuba, a ilha de Fidel, quando conquistou sua independência em relação à Espanha, pagou caro com a concessão de Guantânamo como base militar estadunidense. Não chamo americanos pois que americanos somos todos nós que moramos neste continente. A música Guantanamera é uma homenagem à mulher de Guantánamo: brava, resistente, lutadora. Curiosamente, os maiores boxeadores cubanos saíram de lá.
  
José Marti, mártir da luta política no continente, ideólogo do panamericanismo, quando morava nos E.U.A alertou sobre o nascimento do grande império e da necessidade de uma unificação política na região com vistas ao eminente perigo que morava ao lado. Ele e Simon Bolívar não foram ouvidos, logo depois nasciam o Destino Manifesto, a Doutrina Monroe, o Corolário Polk e o Big Stick (América para os americanos, política de defesa militar da região sobre o pretexto da influência europeia). Resultado: Os E.U.A ocuparam o Panamá, tomaram conta do canal, ocuparam Porto Rico (o grupo Calle 13 Latinoamerica defende a independência desse país).  

Depois, veio a política de segurança da região sobre o pretexto de não proliferação do não-comunismo na região. A grande questão era a expansão do grande capital monopolista na região. Essa política resultou numa série de erupções de ditaduras militares na região: Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile. 

No entanto, os E.U.A não são os únicos responsáveis pelos problemas políticos na região. A multiplicidade de repúblicas autônomas durante o processo de independência no século XIX, ao invés de uma região unificada como queriam José Marti e Simom Bolivar, denotam o particularismo de cada lugar, a forma como os mandatários locais, depois caudilhos, segmentaram qualquer possibilidade de aliança política, tornando-se mandatários de suas regiões, sempre com vistas ao interesse e sob a intervenção de grandes potencias e do grande capital? 

A guinada para a esquerda: Lula (Brasil), Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela), Nestor Kirchner (Argentina), Michele Bachelet (Chile), Rafael Correa (Equador), além da aproximação política com Cuba, caso especial de Hugo Chávez, não foi nem de perto bem vista pelos Estados Unidos e pelo restante do bloco capitalista. A região sempre foi apanágio de grandes potências, primeiro da Inglaterra que interveio na independência e depois participou ativamente das decisões das repúblicas e do império brasileiro ao longo do século XIX, tendo inclusive influenciado na Guerra do Paraguai, sem esquecer da participação inglesa na Guerra do Pacífico entre Peru, Bolívia e Chile, na guerra do Chaco (entre Bolívia e Paraguai), e nas intervenções políticas em vários países do continente, depois, dos próprios E.U.A, que promoveram o bloqueio continental a Cuba, hoje em vias de desaparecimento do embargo.

Sem adentrar na tentativa de golpe contra Hugo Chavez (documentário: a revolução não será televisionada), nem das nacionalizações de empresas privadas na Bolívia por Evo Morales, muito menos na política de combate às drogas na Colômbia patrocinada pelos Estados Unidos, no entanto, o episódio recente do impeachment do presidente do Paraguai é para lá de lamentável, e só revela nossa fragilidade, tanto interna, quanto externa. 

Ser latinoamericano é estar à mercê de uma política instável? Será um traço nosso? Não. As raízes disso estão nos nossos processos coloniais, na formação de nossas identidades e nos projetos de nação que nasceram pós-independência, e permanecem até hoje. 

A primeira crítica recai ao Brasil. Sempre foi imperialista, sempre. Primeiro, ocupando o Uruguai, depois, participando do massacre ao Paraguai, em seguida, anexando o Acre, comprando da Bolívia, e hoje exercendo um imperialismo econômico, via Mercosul, às economias da região e a alguns países da África. No Uruguai, Argentina, Peru há prevalência de carros, fogões e geladeiras brasileiras, além de postos de gasolina da Petrobras dominando o cenário. A desproporção econômica entre o Brasil e as demais nações é gritante.

Mas o fato é que nunca nos sentimos latinoamericanos, nunca. Isso nasceu no XIX antes mesmo da independência. É verdade que somos os únicos a falar português, como também sempre estivemos de costas para o continente. A classe média brasileira prefere passear em Miami que visitar a Bolívia, Peru, ou qualquer país da região. Chegamos ao cúmulo de chamar os outros países de latinoamericanos, como se não tivéssemos nada a ver com isso.  

O que nos unifica? O passado histórico colonial, a origem luso-espanhola, a exploração, a pobreza. Há pelo menos três definições sobre o que identifica a América Latina. a) Países de origem luso-espanhola, ou seja, colonizados por Portugal, Espanha, acrescentando os de origem holandesa, francesa e inglesa. b) Países do continente, grosso modo, do México à Argentina. c) Uma definição geocultural, ou seja, aqueles de origem latina e caribenha que tiveram suas origens étnicas em populações ameríndias e acrescidas do contingente africano.

O episódio recente do impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo revela a falta de articulação política. Independentemente da qualidade dele, ninguém pode ser retirado do cargo numa operação que durou apenas 36 horas, feito a toque de caixa, sem que nenhum país do continente desse conta disso. Dá a impressão que é normal neste continente a instabilidade democrática, que tudo aqui não possui o estatuto do estado democrático de direito, que os interesses internacionais sobrepujam aos nacionais, afinal, fazendeiros, agropecuaristas, industriais apoiaram o golpe do impeachment. 


Eu guardo uma cena linda quando estava no aeroporto de Lima, vestido com uma camisa vermelha escrita Peru no saguão esperando meu vôo de volta ao Brasil, quando um grupo de mais ou menos 100 argentinos, acompanhados de violão, sentaram no chão e começaram a cantar Mercedes Sosa:

Sólo le pido a Dios
Que el dolor no me sea indiferente,
Que la reseca muerte no me encuentre
Vacío y solo sin haber hecho lo suficiente.
Sólo le pido a Dios
Que lo injusto no me sea indiferente,
Que no me abofeteen la otra mejilla
Después que una garra me arañó esta suerte.
Sólo le pido a Dios
Que la guerra no me sea indiferente,
Es un monstruo grande y pisa fuerte
Toda la pobre inocencia de la gente.
Sólo le pido a Dios
Que el engaño no me sea indiferente
Si un traidor puede más que unos cuantos,
Que esos cuantos no lo olviden fácilmente.
Sólo le pido a Dios
Que el futuro no me sea indiferente,
Desahuciado está el que tiene que marchar
A vivir una cultura diferente
Eu senti vontade de me juntar a eles, mas estava do outro lado do saguão. Foi emocionante. Encerro com um desejo de José Marti:


Canción Por La Unidad Latinoamericana

Pablo Milanés

El nacimiento de un mundo se aplazó por un momento
un breve lapso del tiempo, del universo un segundo.
Sin embargo parecía que todo se iba a acabar
con la distancia mortal que separó nuestra vidas.
Realizaron la labor de desunir nuestras manos
y a pesar de ser hermanos nos miramos con temor.
Cuando pasaron los años se acumularon rencores,
se olvidaron los amores, parecíamos extraños.
Qué distancia tan sufrida, que mundo tan separado
jamás hubiera encontrado sin aportar nuevas vidas.
Esclavo por una parte, servil criado por la otra,
es lo primero que nota el último en desatarse.
Explotando esta misión de verlo todo tan claro
un día se vio liberal por esta revolución.
Esto no fue un buen ejemplo para otros por liberar,
la nueva labor fue aislar bloqueando toda experiencia.
Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar,
su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras costas.
Qué pagará este pesar del tiempo que se perdió.
de las vidas que costó, de las que puede costar.
Lo pagará la unidad de los pueblos en cuestión,
y al que niegue esta razón la historia condenará.
La historia lleva su carro y a muchos nos montará,
por encima pasará de aquel que quiera negarlo.
Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló,
Fidel la dignificó para andar por estas tierras.
Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló,
Fidel la dignificó para andar por estas tierras.

   

6 comentários:

  1. É sempre muito interessante ler as tuas crônicas; são de uma riqueza de detalhes, de uma sensibilidade ímpar ... Parabéns!

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    1. obrigado, querido (a) anonima. fico honrado com seus elogios. vou continuar escrevendo. abraços do henrique

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  2. Henrique, teu texto faz um bom apanhado geral acerca dos problemas nacionais das Américas Central e do Sul. Traz consigo a influência danosa dos ianques. E aponta o problema autóctone da falta de unidade, tão aspirada por José, por Simon e, não esqueçamos, por Sousândrade. Além de emoldurá-lo com essas grandes canções da nossa música (me permita de assim chamá-las de nossa música). Parabéns, meu amigo e aquele abraço.

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    1. marcos, tens razão, tinha esqueçido do sousandrade, é verdade, ele propoe um panamericanismo para bandas do sul do continente. obrigado nego, abraços do amigo henrique

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  3. Herr Borralho dein Text ist gut.Du hast wirklich über den Kontext von Südamerik Geschichte geschrieben... Ah!Brasiliein ist ein Kopie von USA, ist traurig, aber sehr wahr. Sie haben der amerikanische 'Amerikan Way of Life' gekauft. Sie produzieren und sie verkaufen unser Produktion, aber Sie kaufen auch...Was kaufen Sie? Der Konsumismus, z.B Autos, Handys, PCs,... alles sinnlos. Die Autos sind viele und haben kein gut den Verkehr, wie Bus, Zug,... In Europa haben keine Lust von Konsumismus. Sie bezahlen Steuern und Sie haben guten Verkehr und Lebensqualität. Ich denke, jetzt ist Brasilien willkommen in USA, ja klar können Brasilianer die Produktion von USA kaufen... Aufwachen Brasilien...Ich habe auf Deutsch geschrieben, weil ich die Deutschsprache üben, lernen. Grüße :)

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    1. querida, joguei teu texto no translator e vi a tradução. parabéns pela escrita em alemão. gostei da pertinencia do comentário. continue treinando. é bom saber que me lés, mesmo de tão longe. abraços do Henrique

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